segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Num mundo de diferenças

A tela se abre e aparece a imagem de várias crianças negras, meninos e meninas. Na frente delas duas bonecas: uma branca e outra negra. No fundo uma voz de homem faz as perguntas: qual das bonecas é negra, qual é bonita, qual é má, qual é legal, qual é feia e finalmente, qual era a que se parecia com a criança questionada. Para todas as questões que se remetia a beleza e gentileza as crianças, meninos e meninas, apontavam para a branca e quando questionadas sobre o porquê, elas respondiam porque as bonecas eram de pele branca e olhos azuis. Para as perguntas que se referiam a cor, maldade e feiúra, estas associavam as bonecas negras. Esse vídeo tem duração de 1’08 e circula no canal Youtube.com desde março de 2009,  com mais de 210 mil acessos.




Esse vídeo nos remete a uma discussão que não encontra espaço nos periódicos tradicionais e só pode ser aqui comentado por conta de mecanismos alternativos de comunicação. Afinal estamos falando de temas muito caros para a sociedade brasileira e que não necessária e intencionalmente está na “boca do povo”, mas existe de forma cada vez mais sutil. Estamos falando de racismo, mídia e infância na sociedade brasileira e como a construção simbólica do um modelo do que pode ser o belo desencadeia e reafirma o racismo.
 
Segundo pesquisa da Fundação Perseu Abramo, em 2004, 87% dos brasileiros reconheciam o racismo no país, mas apenas 4% se reconhecia como racista. No entanto, há algumas semanas, em Belo Horizonte, uma menina negra de quatro anos foi agredida pela avó de um menino branco que questionou, aos gritos e na frente de toda a sala de aula o porque de terem deixado o neto dela dançar quadrilha com “uma negra e preta horrorosa e feia”.  A diretora da escola, que é particular, sequer fez qualquer gesto para evitar o crime, tampouco informou aos pais da menina o ocorrido. O caso só veio à tona porque a professora, que testemunhou tudo, inconformada com a situação, pediu demissão e denunciou à família da menina o que ocorreu. O caso está sendo apurado.
 
Nascemos preconceituosos ou nos tornamos preconceituosos?
 
Mas como uma pessoa se torna preconceituosa? Como uma pessoa se torna racista? Já é sabido que as crianças nascem sem qualquer conteúdo preconceituoso, como bem afirmou Nelson Mandela “ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar”. Os conceitos preconceituosos, sejam eles machistas e racistas, especialmente, bem como outros, são incutidos por meio de influências ou vivências com outras pessoas, especialmente no ambiente familiar e escolar. Não raro vemos crianças que, ao voltar da escola, apresentam “falas” que destoam do ambiente familiar, e que externam uma associação da cor negra com a sujeira. Outras seguem o caminho contrário, já chegam na escola com essas falas.
 
Daí a importância de pais, mães e educadores estarem atentos a estas questões. Pois é na infância que se dá o desenvolvimento dos valores, que são absorvidos com mais intensidade e também onde os estereótipos raciais vão sendo sedimentados. Neste momento é muito importante a atenção e o cuidado com os brinquedos e os programas televisivos que serão disponibilizados às crianças, especialmente por conta do conteúdo publicitário dirigido a elas. Segundo o Instituto Alana, organização não governamental de defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes em relação ao consumo em geral, bem como ao excessivo consumismo ao qual são expostas, as crianças são mais vulneráveis que os adultos e sofrem cada vez mais cedo com as graves consequências relacionadas aos excessos do consumismo, por estarem em pleno desenvolvimento.
 
A influência da publicidade é percebida na escolha dos produtos, na maioria das vezes brinquedos e alimentos, que são feitos pelas crianças quando em contato com essas informações direcionadas e abusivas. Ao contrário dos meninos que são sempre desafiados a ultrapassar limites, explorar as habilidades do corpo e do espaço, às meninas são reservados os brinquedos que remetem ao cuidado com os outros seres, com os cuidados excessivos e precoces com o corpo, e não com elas mesmas, e à casa sempre em forma de castelo. Há sempre uma predominância da cor rosa, que é o delicado, em contraponto ao azul, que remete a fortaleza e conhecimento, dos meninos. Isso ultrapassa as cores das roupas e vai até a representação simbólica de diferenciação de gênero, apesar das diversas matizes de cores. E para além e juntando tudo isso a representação das bonecas, uma peça exclusivamente do feminino, com a definição de que o que é belo é o corpo magro e esguio, loiro, traços finos e olhos claros, ainda que sejamos um país marcado pela miscigenação. Dessa forma, sutil, pulverizado e constante, os conteúdos racistas e também machistas vão entrando nos lares brasileiros sem nem mesmo os pais e mães se darem conta.
 
E o Estado, onde está?
 
No entanto, um aspecto que merece toda a atenção da sociedade, uma vez que as crianças são seres prioritários para o Estado, com direitos assegurados na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente, são os efeitos que o racismo e a discriminação racial têm na infância de crianças negras. Para estas meninas e meninos o impacto da publicidade excludente é muito mais nocivo do que para as de cor branca. Isso é percebido na negação dos próprios atributos físicos como cabelos, pele e nariz, na negação da própria negritude explicitamente, num exercício de distorção da auto-imagem; ou ainda na rejeição da própria família devido à vergonha da aparência de seus entes.
 
Para a psicóloga Roberta Federico, as crianças reproduzem o que vêm no contexto social, de forma explícita ou velada. “Não é preciso que se diga explicitamente para uma criança que as pessoas negras têm menos valor que as pessoas brancas para que ela absorva essa ideia. Basta colocá-la diariamente diante de qualquer canal de TV brasileira, onde dificilmente ela se verá representada de maneira positiva”, explica.
Em cima disso, o Doutor em Comunicação pela ECA-USP e cineasta, Joel Zito Araújo, faz uma reflexão sobre as vantagens de se nascer branco e as desvantagens de se nascer negro no Brasil. “O espelho que é colocado diante de uma criança negra diz: ‘ Você é feio, você pertence a uma raça inferior, você é a imagem da pobreza, você está destinado à subalternidade’. Enquanto o espelho que é colocado diante de uma criança branca diz: ‘Você é lindo, você é superior, você é predestinado’”. No seu discurso de ideologia do branqueamento ele diz que a mídia exerce um papel fundamental na nossa não discussão sobre o tema do racismo.

No entanto, a discussão do racismo está posta na mídia só que em dois lugares, seja nos jornais, nas telenovelas, no cinema ou outros meios. O primeiro é o lugar da invisibilidade. E o segundo é o do rebelde, dos filhos rejeitados e excluídos, das empregadas domésticas, dos serviçais. Às crianças negras, são sempre as deseducadas, as sem inteligência, as ligadas à malandragem e que, atualmente aparecem apenas para cumprir o parâmetro da diversidade. Enfim, adultos e crianças sem quaisquer possibilidades de ascensão social. “Todos eles, portanto, são obrigados a incorporar na televisão a humilhação social que sofrem os mestiços em uma sociedade norteada pela ideologia do branqueamento, em que a acentuação de traços negros ou indígenas significa a possibilidade de viver um eterno sentimento racial de inferioridade, e uma consciência difusa e contraditória de ser uma casta inferior que deve aceitar os lugares subalternos intermediários do mundo social”, afirma Araújo.

Os números da violência
 
Apesar do país não se considerar racista, as pesquisas dizem o contrário. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, em 2010, 54,5% de todas as crianças e adolescentes brasileiros são negras ou indígenas, ou seja, 31 milhões de meninas e meninos são negros e 140 mil são crianças indígenas. Vinte e seis milhões vivem em famílias pobres, representando 45,6% do total de crianças e adolescentes do país. Desses, 17 milhões são negros. Entre as crianças brancas, a pobreza atinge 32,9%; entre as crianças negras, 56%. A iniquidade racial na pobreza entre crianças continua mantendo-se nos mesmos patamares: uma criança negra tem 70% mais risco de ser pobre do que uma criança branca.
No caso das mulheres, além das violações comumente sofridas pela condição de pobreza e outras, há aquelas situações de violência exclusivamente por serem mulheres, e isso insere as meninas.  Segundo ela, nem todas as pessoas e nem todas as mulheres estão expostas à violência da mesma forma. Alguns grupos de pessoas têm muito mais chances de sofrer violência e, determinadas violências, que outros como é o caso de meninas e mulheres negras. O que caracteriza a sociedade brasileira enquanto ente machista, racista, elitista, heteronormativa, adultocêntrica, urbana onde os processos de violência e os impactos são vividos de maneira diferente pelas mulheres e são reveladores das condições de vida, bem como das circunstâncias a que estão submetidas enquanto sexo, raça, idade, lugar onde moramos, orientação sexual, etc.
 
No que se refere a violência física e sexual, embora o estudo “Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS) sobre igualdade de gênero 2010” realizado pelo IPEA tenha revelado que a maioria das pessoas entrevistadas considera que a violência contra a mulher é de responsabilidade da sociedade como um todo e que as agressões devem ser investigadas pelo Estado mesmo que a mulher não queira, dados do PNAD/IBGE apontam que 2,5 milhões de pessoas com mais de 10 anos de idade já sofreram algum tipo de agressão em 2009. Destas, pelo menos 40% eram mulheres e 1/3 delas foram agredidas por parentes, companheiros ou ex-companheiros, responsáveis por mais 25,9% do total de agressões [1].
 
Já pesquisa da Fundação Perseu Abramo realizada em agosto de 2010 revelou que a cada dois minutos cinco mulheres são agredidas violentamente no Brasil e que pelo menos 7,2 milhões de mulheres com mais de 15 anos já sofreram agressões desde 2001. No tema da exploração sexual, as vítimas desse tipo de crime, em sua grande maioria, são adolescentes entre 15 e 17 anos de idade, quase sempre negras ou indígenas, segundo Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres e Crianças para Fins Sexuais (Pestraf, 2001).
 
Tal situação reforça o pleito de parte da sociedade civil que vem discutindo os temas da violação de direitos de crianças, adolescente e mulheres de que é necessária uma presença, cada vez maior do Estado por meio de políticas públicas efetivas e contínuas. Por outro lado, faz-se necessário e urgente também reconhecer que as situações de violência não são questões a serem discutidas e resolvidas entre quatro paredes. Ela é um problema não da relação privada, mas uma questão pública e até civilizatória, porque não é possível o avanço de qualquer sociedade enquanto houver desigualdades entre homens e mulheres.


[1]     Fonte: Chaga Social: 767 mulheres são agredidas por dia no Brasil (http://mariadapenhaneles.blogspot.com/2011/02/chaga-social-agressao-de-mulheres.html capturado em 29.02.2011)

P.S.: Este texto está participando do Prêmio Nacional Jornalista Abdias Nascimento e foi publicado inicialmente no Infância Livre de Consumismo

domingo, 5 de agosto de 2012

"Mãe eu quero. Você compra?"

A frase do título, que muitas vezes culmina em uma discussão, tem feito parte do dia a dia da maioria das famílias brasileiras nos últimos tempos. Discutir os limites das crianças frente ao que é apresentado nas televisões, via publicidade, é algo que muitas vezes está além do alcance das mães, pais e até educadores. Não raro vemos matérias, baseadas em pesquisas ou estudos psicológicos, que desvendam os caminhos para a atuação, para não dizer manipulação e controle, sobre o público infantil numa tentativa de reforçar o apelo de compra.

Contrariando um caminho trilhado, há anos, por diversos países com democracias consolidadas, como a Suécia, Alemanha, Austrália, Espanha (Catalunha), Chile, Estados Unidos, Holanda, Nova Zelândia, Portugal e Reino Unido, o Brasil continua permitindo que a publicidade seja direcionada ao público infantil. Mesmo que a criança e o adolescente sejam considerados públicos prioritários pela Constituição brasileira e reforçado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), eles continuam sendo alvo das propagandas e do merchandising, instrumentos da publicidade,que os utilizamcomo mecanismo de “fidelização” de um futuro consumidor e, ultimamente, definidor de compras da família, numa estratégia de infantilizar o adulto e dar uma ideia de maturidade às crianças, numa troca de responsabilidades vil.

O que é mais estranho é que todas essas ações, que são consideradas violações de direitos, dão-se no espaço público do audiovisual, ou seja, nas rádios e televisões, que são concessões públicas. Para ser mais clara, é de propriedade do Estado o espectro eletromagnético que é temporariamente cedido a determinadas empresas de comunicação. E como parte das regras desta concessão está a atenção ao que já é estabelecida em lei, como informado no parágrafo acima. Como afirma o mestre em Ciência Política, pela Universidade de São Paulo, professor Guilherme Canela, “se o Estado (governo e sociedade) acorda institucionalmente que esse recorte etário merece prioridade absoluta, à mídia não é conferido nenhum salvo-conduto para se escusar de cumprir suas responsabilidades, especialmente porque radiodifusores são operadores de concessões públicas do Estado e da sociedade”.

Programação para todos os públicos

Esse “descumprimento” do acordo entre o Estado e o mercado ultrapassa também outras esferas, como a regulamentação do setor, defendida por organizações da sociedade civil e pesquisadores da área. No Brasil, o próprio mercado publicitário regulamenta toda a publicidade mercadológica por meio do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), que estabelece as normas e julga os casos que porventura sejam enviados por entidades representativas ou cidadãos comuns. Para o presidente da entidade, Gilberto Leifert, as tentativas de regulamentação revelam que o Estado não acredita no poder de discernimento do cidadão. “É um evidente paradoxo. Muitas vezes, o projeto de lei ou a intervenção do Estado sugere que o cidadão é considerado plenamente capaz apenas para constituir família, eleger representantes políticos, pagar impostos, mas seria incapaz de fazer escolhas a partir da publicidade”, afirma.

Outra prova da complexidade do que estamos falando se deu com a retirada do programa infantil diário TV Globinho, substituído por um voltado para o público adulto capitaneado pela jornalista Fátima Bernardes nas manhãs na TV Globo. A emissora, que já chegou a apresentar O Sítio do Pica-Pau Amarelo, Vila Sésamo e Xou da Xuxa, apresentou como argumentação que a grade infantil não dá nem audiência, nem receita publicitária, e diz seguir tendência internacional de deixar as crianças para a TV paga. Segundo a empresa, o canal fechado seria um espaço menos sujeito a controle externo, como classificação indicativa, sugerida pelo governo e proibições à publicidade infantil (como limite à propaganda de alimentos e ao uso de desenhos para seduzir o público-alvo). “O segmento infantil está na TV paga porque lá não tem censura nem restrição à propaganda”, diz Luís Erlanger, diretor da Central Globo de Comunicação. Importante questionar, neste caso, como ficam as crianças que não têm TV paga, já que o lazer e entretenimento também são direitos e a TV é uma concessão pública? Isso sem falar que como concessionária de um serviço público a empresa deve cumprir com o regulamento que prevê programação para todos os públicos.

Direito de ter brinquedo

Mas muitas pesquisas e estudos também são realizados para medir o impacto da publicidade no desenvolvimento psíquico e emocional, atual e futuro, das crianças e adolescentes. E os resultados são alarmantes. Segundo o Instituto Alana, organização não governamental de defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes em relação ao consumo em geral, bem como ao excessivo consumismo ao qual são expostas, as crianças são mais vulneráveis que os adultos e sofrem cada vez mais cedo com as graves consequências relacionadas aos excessos do consumismo, por estarem em pleno desenvolvimento. Para o Alana, são consequências danosas à exposição excessiva a obesidade infantil, a erotização precoce, o consumo precoce de tabaco e álcool, o estresse familiar, a banalização da agressividade e violência, entre outras.

Mas como não se mudam leis e costumes num passe de mágica, algumas tentativas de minar o poderio do mercado e proteger as crianças têm sido realizadas. Cabe registrar que está em tramitação no Congresso Nacional, há mais de dez anos, um projeto de lei que proíbe a publicidade de produtos infantis (PL 5921/01). O texto, de autoria do deputado Salvador Zimbaldi (PDT-SP), que faz parte da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, já foi alterado nas comissões de Defesa do Consumidor e de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio. Para o relator, “é necessária uma lei sobre publicidade infantil porque o Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar) não tem sido eficaz”. Depois que Zimbaldi apresentar o parecer, a proposta seguirá para a Comissão de Constituição e Justiça em caráter conclusivo.

O anteprojeto encontra bastante resistência por parte do setor empresarial, especialmente o de brinquedos. Para o presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), que também é presidente da Fundação Abrinq, Synésio Batista, a publicidade infantil é fundamental já que toda criança tem o direito de ter brinquedo e a publicidade ajuda a aumentar a produção, despertando o interesse e deixando a criança informada, “não se oferece um produto dizendo o que ele não tem”, afirma Batista.

Discurso mágico

Outra forma de quebrar o bloqueio empresarial está na capacidade de organização da sociedade. Já é possível perceber que há intervenção de diversos setores desta na defesa pela regulamentação e isso tem mexido na estrutura de poder e aberto diversas frentes de debates sobre o tema criança e consumismo, especialmente nas redes sociais. Por conta disso, algumas campanhas publicitárias foram tiradas do ar. A mais recente foi o parque Mundo da Xuxa, que foi notificada pelo Procon/SP, e não pelo Conar, que apresentou como justificativa “o potencial de induzir o público infantil a atitudes que gerem risco à segurança e a saúde”. Importante registrar que esta campanha só saiu do ar depois que o coletivo Infância Livre de Consumismo (ILC), junto com outros movimentos e organizações, registrou queixas contra a propaganda. Este é outro exemplo de organização. Já as empresas Nestlé, Mattel, Habib’s, Dunga Produtos Alimentícios Ltda. (Biscoito Spuleta) e Roma Jensen (Roma Brinquedos) receberam as multas, também do Procon/SP, na semana passada, num total de mais de R$ 3 milhões, por campanhas publicitárias abusivas dirigidas ao público infantil. Estas últimas também foram resultado de mobilização de organizações da sociedade civil.

O Infância Livre de Consumismo (ILC) é um coletivo de pais, mães e cidadãos inconformados com a publicidade dirigida às crianças que nasceu como contraponto a campanha “Somos todos responsáveis”, promovido pela Associação Brasileira das Agências de Publicidade (ABAP). “Por mais informadas e conscientes que sejam as famílias, os pais não têm como combater um discurso mágico e atraente feito por adultos pertencentes a grandes e poderosos conglomerados empresariais, com alto poder econômico, que detêm pesquisas psicossociais, de mercado e até mesmo neurológicas”, avalia Marina Machado de Sá, publicitária e mestre em Políticas Públicas, uma das fundadoras do coletivo Infância Livre de Consumismo (ILC).

“Atentado à liberdade de expressão comercial”

Já a campanha “Somos todos responsáveis” defende que apenas os pais seriam os responsáveis pela proteção das crianças diante dos estímulos abusivos das propagandas ao consumismo. Para eles é importante, necessária e sadia submeter às crianças à informação. “Se a ideia é proteger as crianças da mídia, não adianta mais desligar a televisão, abaixar o volume do rádio e ficar longe das bancas de jornais”, diz Dalton Pastore, presidente do Conselho Superior da Abap. “A questão é mais complexa e merece uma discussão mais profunda, baseada em educação, e não em proibição”, complementa.

No entanto, atitudes como esta isentam o Estado e o mercado (empresas e publicitários) de quaisquer responsabilidades sobre a publicidade dirigida às crianças. “Nesta relação, fica patente a vulnerabilidade das famílias, da comunidade e da própria criança diante do discurso mercadológico”, alerta Mariana Sá.

Um alerta interessante feito por essas organizações diz respeito aos problemas causados ao meio ambiente. Segundo o ILC, o excesso de propagandas e conteúdo manipulatório dirigidos ao público infantil dificulta a educação cidadã e sustentável e vai contra a formação de um consumidor consciente, justo num momento em que o mundo repensa formas de consumo sustentáveis.

Assim cabe uma reflexão sobre o que está por trás dessa resistência do mercado no diálogo sobre a regulamentação do setor. É importante e urgente entender que isso é uma das pontas do iceberg chamado democratização da comunicação. Tema este que merece ser aprofundado, especialmente para entender o porquê de o discurso mercadológico estar baseado na censura e na defesa da liberdade de expressão. Como bem afirma Gilberto Leifert, a proibição de propaganda infantil é um “atentado à liberdade de expressão comercial”. Num país que acabou de sair de um processo de ditadura onde o calar foi um dos recursos mais (bem) utilizados, qualquer aceno que relembre esse momento é evidentemente danoso, significativo e causa aversão. Segundo o coordenador executivo da organização Andi Comunicação e Direitos, Veet Vivart, “associar a regulação, que é um instrumento democrático, interdita o debate”.

Cúmplices de violações

Daí surge outro debate sobre o porquê da importância dos pais, mães e demais responsáveis pelo cuidado direto de crianças e adolescentes, dizerem “não” aos constantes pedidos de “compra” emitidos por eles. Dizer não além de ser educativo, ajuda a criançada a entender que a vida não é o “céu de brigadeiro” que a TV mostra. Dito isso, é salutar compreender que um dos recursos da publicidade é o de se aproveitar do (grande) tempo que as crianças ficam exposta a programas televisivos, longe da presença de adultos, para impor uma lógica de consumo desenfreado, por meio de técnicas de aborrecimento (onde vencem pelo cansaço), aumento do volume no momento dos comerciais, o uso constante de merchandising, entre outras. Para se ter uma ideia do que estamos falando, as crianças brasileiras ficam até cinco horas na frente da TV, diferentemente de outros países, inclusive os Estados Unidos. No final, temos crianças obesas, sedentárias, doentes e mal informadas, para não aprofundar mais neste debate.

No final, a maioria dos pais e mães que trabalham fora de casa e, portanto, ficam longe de seus filhos, vê-se obrigado a comprar, atendendo aos pedidos insistentes do filho, na tentativa de suprir o tempo perdido. Mas é preciso entender que não se compra tempo, atenção e afeto, especialmente das crianças. Faz-se necessário e urgente refletir e criar estratégias de recompensa desse tempo a partir de momentos de aproximação, conversa, troca e atenção, onde os pais e mães fiquem com suas crianças e promovam momentos de interação com eles. Isso vale muito mais do que um brinquedo, na maioria das vezes caro, que será deixado de lado, em breve. Sem contar que é fundamental avaliar o pedido de compra. Afinal, é algo que vai ser realmente utilizado pela criança, é adequado para a idade, vai ajudá-lo de alguma forma, que habilidades serão desenvolvidas? Porquedo contrário, a velha resposta do “porque agora não tenho dinheiro”, atrapalha por não acrescentar, por não ajudar a pensar de forma sustentável e educativa. O “não” tem de estar embasado em outras motivações.

Importante resgatar que o processo de debate e regulação proposto pela sociedade civil é algo que deve inclusive acontecer dentro da esfera pública do Estado. Afinal,cabe a este ente promover e induzir os processos de garantia de direitos, uma vez que ele é o representante formal, referendado noutro processo democrático de consulta pública.

Por fim, quero lembrar que este é mais um ano de eleições e que estaremos escolhendo a/os nossa/os futura/os representantes à Prefeitura e Câmara de Vereadores. Em dois anos, escolheremos a/o presidente, governadores, senadores e deputados. E quantas vezes procuramos saber qual o plano de governo que eles propõem, nossas demandas de focar as crianças estão contempladas ou mesmo se acompanhamos esses compromissos pleiteados durante a campanha? Acredito que não. Normalmente preferimos nos omitir sob a desculpa de que política é lugar de corrupção, privilégios e impunidade. No entanto, essa postura nos coloca como cúmplice das inúmeras violações direcionadas a população infanto-juvenil brasileira.

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Texto publicado no Observatório da Imprensa, no blog O Escrevinhador e no Viração Jovem

Imagem: Renata Ursaia 

De volta

Olá a tod@s e grata pela atenção, visitas e  comentários que geraram um novo jeito de olhar a vida, em especial a minha e da minha filhota.

Retorno agora, repaginada e disposta a continuar socializando os saberes que vamos aprendendo no constante encontro com as pessoas, grandes e pequenas, letradas e não letradas, confusas, fluidas e sabidas que, feliz e gratificantemente, o Universo vai botando na nossa frente.

Estou agora num novo momento, com minha filhota perto. Num momento mais livre, calmo, terno e feliz. Participando e colaborando de um processo onde os conceitos de direitos humanos estão cada vez mais sendo discutidos e massificados.

Aliás, esse tema dos direitos é o que mais vocês perceberão presentes neste espaço de trocas, porque a intenção é essa mesma: a de trocar, de trazer mais luz e outros olhares, porque a vida, às vezes, deixa-nos embaçada. E por isso o círculo é tão importante, porque roda e chega em todas e todos. E assim vamos, num movimento de mandala, circulando pela vida e pelos saberes, aprendendo a conhecer e a entender as pessoas.

Espero realmente que todas e todos vocês gostem, apreciem e tornem a socializar...

Cheiros do coração e grata pela caminhada.

Imagem daqui