Como tudo em minha vida, a gravidez de Aishá provocou um grande e profundo movimento. Gravidez há anos esperada, pensada, desejada... Um grande caminho eu percorri para que ela acontecesse, muitos tratamentos, muitas intervenções médicas, remédios para finalmente, com a ajuda de tratamentos complementares como a argiloterapia, homeopatia e acupuntura, termos o resultado “positivo”.
Com o resultado de um Beta HC “positivo” nas mãos e, claro, passado o susto inicial da descoberta, comecei a programar o desenrolar da gravidez e lembrei logo de uma decisão anteriormente tomada: a de procurar o Cais do Parto, ONG pernambucana que lida com o parto numa dimensão humanizada. Algumas semanas depois já estávamos, eu, Aishá e Ruy, freqüentando as reuniões e, posteriormente, já estávamos também em um outro grupo o Boa Hora, coordenado pela minha doula – palavra grega que significa “mulher que serve”, mulheres que dão suportoe físico e emocional no momento do parto.
A participação nesses grupos foi de suma importância para o desenrolar tranqüilo do meu parto, mas o que mais marcou foi a descoberta de que o parto é um evento da mulher. Descobri então, com muitas leituras, debates, visitas a sites especializados que o parto era meu, o corpo era meu, a escolha seria minha. Parece besteira, mas essas descobertas foram decisivas em todo o processo da minha gravidez. É claro, que no meio disso tudo eu nunca esqueci a participação especial do Ruy, pai da Aishá. Durante todo o processo eu tentei inseri-lo nesse movimento, apesar de toda a dificuldade que surgia... eu não quis ser a única protagonista de um filme que na minha cabeça deveria ser composto por um triângulo “mágico”.
Minha gravidez chegou às 40 semanas e 1 dia. Passagem por quatro obstetras, mas com todos os exames solicitados em ordem. Uma gravidez normal, sem intercorrências e aos 09 de junho nascia minha pequena Aishá. E hoje percebo que esse nome não veio à toa, Vida... e foi vida que ela trouxe pra minha caminhada.
Durante as duas semanas anteriores ao parto vinha tenho contrações e entrava várias vezes em “falso trabalho de parto” e alguma coisa me dizia que quando entrasse, de fato, eu não perceberia. Dito e feito, aos 09 de maio, após uma noite muito bem dormida, acordei com aquela cólica chata, como quem vai menstruar, e assim passou toda a manhã. Por volta do meio do dia, liguei para Dani (Daniela Gayoso), minha doula, e comentei com ela o que vinha acontecendo e esta me sugeriu marcar o tempo dessas contrações. Foi quando descobri que das 12 às 13 horas, estava com 10 minutos de intervalo. Achei estranho, pois das 13 às 14h já contavam 5 minutos (as pessoas diziam que tudo começava com 20 em 20 para depois ir reduzindo, a minha já estava em 5 em 5!). Liguei para Dani novamente e foi ela quem se aperreou. Sugeriu que eu fosse ver a parteira ou fosse direto no Cais (do Parto) e eu ficava tranqüilizando ela dizendo que não havia necessidade, que estava tudo bem e não precisava de pressa. Depois de muita insistência da Dani concordei e combinamos que de ela passaria na casa de D. Prazeres – a parteira - e iriam para a casa da minha mãe, onde eu estava.
Depois de certo tempo, liga a Dani dizendo que o carro estava sem gasolina e que ela iria demorar mais um pouco para poder providenciar tudo, sugerindo que a parteira viesse de táxi para ser mais rápido. Eu continuei tranqüilizando-a e disse que esperaria ela resolver e ir buscar a D. Prazeres. Lá pelas 17h elas chegaram, depois ainda de um outro problema com o carro da Dani (agora foi o pneu, furado!).
Só me dei conta de que estava em verdadeiro trabalho de parto quando D. Prazeres, após o primeiro “toque” me disse que eu já estava com 3 cm de dilatação. A intenção era de que tanto a Dani quanto D. Prazeres fossem para suas casas e só mais tarde eu as chamaria. Optei por não chamar a Marcele e a Sônia (ambas do Cais do Parto) uma vez que eu já estava sendo assistida e havia muitas outras grávidas de mesmo tempo que eu. E se outra mulher resolvesse dar à luz também naquele momento?
A minha bebê mudou todos os nossos planos. Imediatamente após o toque, precisei ir ao “banheiro” e, logo em seguida, as contrações se intensificaram e ficaram menos espaçadas. Nesse momento, eu já estava me incomodando com as dores e foi a Dani quem ligou para o Ruy informado e pedindo que ele viesse para ficar comigo. Quando ele chegou fomos para nossa casa. Nessa altura, todos lá na casa da minha mãe já sabiam que eu entrara em trabalho de parto e meu irmão e padrinho da bebê, Rigoberto, encarregou-se de avisar aos nossos amig@s do acontecido, mudando completamente nosso plano inicial.
Entre a casa da minha mãe e a minha tive três contrações, agora elas já viam fortes. Já em casa fui direto para bola, mas não conseguia me mexer muito, pois o movimento do parto já estava forte. Depois de certo tempo, tomei um banho morno que muito me ajudou (gente é ótimo!). A Dani e o Ruy acomodaram vários travesseiros e eu fiquei encostada neles. Fiquei assim durante muito tempo e, quando as contrações vinham, eu não permitia que ninguém tocasse e mim; só eu podia e apertava fortemente as mãos do Ruy e da Dani (depois de certo tempo comecei a me preocupar em não machucar a mão pequenininha da Dani, mas ela tava lá firme e tranqüila).
Foi quando percebi um movimento em minha casa, que na minha programação apenas mainha, a parteira, a doula, Ruy e eu deveríamos estar presentes. Lembro de ter visto Rigo, Ricardo – meu outro irmão, Janeide, mainha e Natalie – madrinha da bebê e que dias depois disse que não havia entrado até a bebê já ter nascido, mas que a vi, vi sim. Lembro também da Karla que chegou com algumas rosas e falou coisas bonitas e companheiras ao meu ouvido. Mas a presença dessas pessoas não me perturbaram. Eu só me preocupava com a presença da Janeide - a Jan não parecia ter “estômago” para acompanhar um evento desses. É muito viceral, muito cru mesmo – me preocupava também com mainha e tentava gritar menos e mais baixo – eu não tinha idéia de que a essa altura todo o quarteirão já sabia o que estava acontecendo.
As dores ficaram quase insuportáveis. Em algum momento desses, foi feito um outro “toque” e eu ouvi que estava já com 6 cm – mas na verdade, foram duas horas após e eu estava com 6,5 cm. Agora eu tinha medo de não poder ir até o fim, de não agüentar, porque a coisa é muito forte – só sabe quem passa. Eu ficava pedindo a Dani alguma coisa que aliviasse e ela sugeria e tentávamos respiração, novas posições, mas a dor não cedia. D. Prazeres sugeriu então que ficasse no banquinho e passei outro bom tempo lá. Nessa posição comecei a perceber a saída de alguma coisa e a Dani me disse que era o tampão, mas saiu tanto que me impressionou. Nessa posição, depois de certo tempo, as contrações emendaram e D. Prazeres e a Dani me questionavam se eu sentia vontade de fazer força e se daria para fazer um outro toque, que eu neguei imediatamente – eu sabia que a média é de 1 cm de dilatação por hora, depois daquelas dores tão fortes se eu soubesse que só estaria com 7 cm, o que eu ia fazer? Pedir uma anestesia, morfina... qualquer coisa para aliviar aquela dor.
Em certo momento, D. Prazeres pediu que eu ficasse em pé apoiada em Ruy, mas eu não quis. Mas com jeitinho, elas conseguiram me convencer. Percebi que o Ruy era mesmo forte porque eu me pendurava nele e ele só dizia “pode se pendurar que eu lhe seguro, não tenha medo” e eu me pendurava mesmo como se dessa forma eu pudesse transferir para ele toda aquela dor. Nessa posição a dor mudou de cara e eu comecei a fazer força pra baixo. D. Prazeres pediu para me apoiarem na cama e tudo tinha que ser bem rápido eu dizia porque as dores estavam emendadas mesmo. Lembro que ter feito apenas duas ou três forças quando veio uma bem forte e diferente, eu dizendo que não agüentava mais, e as vozes de Dani e Janeide me dizendo que estava nascendo, que elas já estavam vendo a cabecinha dela. Nessa hora minha respiração ficou bem longa, bem grande e eu senti algo esquentando, D. Prazeres me perguntou se eu queria tocar a cabeça dela, mas eu disse que não porque fiquei com medo, era tanta dor que eu queria que acabasse logo, que ela nascesse logo, que ela viesse logo para os meus braços.
E assim foi, quando abri os olhos a vi saindo, bem quietinha, virou a cabecinha, olhou pra gente e ficou lá. Só depois chorou, mas bem do jeitinho dela. Eu pensei: “nossa, ela já nasceu de olhos abertos”. Senti vários beijos de Ruy, chorando em meu ombro me dizendo que ela nasceu e que se parecia com ele. Todos choraram, menos eu. Eu ficava só olhando para ela e muito incomodada com as dores ainda. Depois que limparam o nariz e boquinha dela me deram ela, ainda com o cordão pulsando, e ela veio direto para o meu peito. Havia muita energia no ar, em todos, foi um nascimento comungado, coletivo, esperado, vivenciado e amado por todos os seres que estavam em sintonia com aquele momento, aquela casa.
Depois disso os procedimentos normais de limpeza e sutura, e muita produção de sucos, sopas porque eu fiquei com uma sede absurda. Fiquei tonta, mole, exausta, mas com um sentimento de plenitude, leveza, bem estar, felicidade, emponderamento. A minha felicidade e gratidão a Deus eram do tamanho do mundo, cabia todo o mundo dentro dela. E descobri que quando uma mulher dá à luz, não nasce apenas um bebê, nasce uma nova mulher, uma nova pessoa.