domingo, 20 de março de 2011

Sexualidade aprisionada

“Sexo é bom de todo jeito. Com o dedo, com a língua, com o corpo todo”. Essa afirmação do engenheiro de pesca Fábio Novaes, 31, é de deixar muita gente com a libido aflorada. “O importante é alcançar o prazer sem ferir o outro”, afirma, mas deixa claro que esse prazer não é tão fácil de conseguir, como muitos pensam. “Ele passa por uma vivência, um conhecimento da outra pessoa. Nem sempre é o paraíso”, conclui.

A pedagoga Rosário Santiago, 34, sabe muito bem que “nem tudo são flores”. Ter uma vida sexual satisfatória nos dias de hoje é coisa quase que para herói. O estresse do dia-a-dia é um fator decisivo na queda da qualidade da vida sexual da maioria dos homens e mulheres. A pedagoga conhece de perto essa realidade.

Toda quarta-feira, ela muda a rotina de funcionária pública e se dirige à Penitenciária Profº Barreto Campelo para o “encontro conjugal”. Como milhares de mulheres pernambucanas, Rosário é esposa de um detento. O marido, Miguel Santiago, 39, cumpre uma pena de 21 anos por assalto à mão armada.

Se para muitos a plena satisfação sexual, num local privativo e com todos os preliminares que o momento pede, é complicada imagine para quem têm que dividir a sua privacidade com outros casais ou mesmo ter alguns poucos minutos para uma relação sexual.

Dever do Estado - Os artigos 10 e 11 da Lei nº 7.210 de 11/07/84, Lei de Execuções Penais, delega ao Estado o dever de assistir o preso quanto a saúde, assistência social, educacional, jurídica, religiosa e material. É dentro dessa assistência que se inclui a questão da sexualidade. Para a Promotora de Justiça do Estado de Pernambuco, Adriana Fontes, é difícil ter uma realização prazerosa num estabelecimento prisional. “Mas esse encontro conjugal é a única coisa que nós podemos propiciar aos detentos, em virtude da superpopulação”, lamenta.

O lugar que o estado reserva para o exercício da sexualidade do preso é mais que sombrio: inexistência de privacidade, lugar fétido e com uma superlotação de dar medo. Em Pernambuco, há um déficit de 2.582 vagas no sistema carcerário, segundo a Secretaria de Justiça do Estado. Para se ter uma idéia melhor de como são esses encontros, basta dizer que não existe um local apropriado, como nos filmes americanos. Ele acontece nas próprias celas, onde outros presos também recebem parceiros.

Nas celas coletivas são dispostos vários lençóis, formando uma espécie de “tenda” que serve de limites. É dentro dessa “empanada” que o casal ficará. Daí o nome tão conhecido, o “come quieto”. Nas “empanadas” nenhum casal interrompe o outro. Há um código de honra entre os presos na tentativa de preservar um pouco a privacidade.

“O sofrimento é tanto que ele termina por unir mais as duas pessoas. Não é sexo por sexo. É uma catarse de sentimentos. Parece contraditório, mas ele se torna mais intenso”, desabafa Rosário Santiago. Angústia igual é compartilhada pelo detento Moacir da Silva, 29, condenado há 12 anos, por homicídio qualificado. Ele concorda com Rosário quando diz que o contato termina por unir ainda mais o casal. “Mas se os dois não tiverem uma vivência antes, uma relação de companheirismo, um dos lados não agüenta e isso acaba em abandono”.

Sem visitas - Em pior situação estão as detentas da Colônia Penal Bom Pastor. Durante anos, a única prisão feminina do Estado esteve sob a direção de freiras e qualquer manifestação da sexualidade era fortemente reprimida. Isso é coisa do passado. Agora, sob outra direção, já é permitido o encontro conjugal. O problema, no entanto, é outro. Tem-se a permissão, o espaço, mas faltam homens porque os maridos ou companheiros se negam a comparecer. Das 139 mulheres presas apenas oito recebem a visita dos amantes.

As grades das prisões são levadas assim, para dentro dos lares. Aprisiona-se a sexualidade e prova-se que o machismo ainda impera. A mulher se submete, se expõe, vai ao presídio, passa pela revista para encontrar o marido. Mas os homens não. Como afirma a Adriana Fontes “eles sentem-se agredidos”. O medo de serem vistos e de serem associados ao delito termina por afastá-los das detentas. Quando, na verdade, muitas delas estão presas por cometerem infrações - muitas vezes ligadas ao tráfico de drogas - em favor dos amantes.

Limites - Como conseqüência da falta de estrutura somada a precariedade do sistema prisional, um número cada vez maior de relações homossexuais têm surgido nos presídios. O fato já preocupa as autoridades pela possibilidade da proliferação das doenças sexualmente transmissíveis. Aliado a isso, os prisioneiros que “optam” pela escolha do homo ou bissexualidade são vítimas do preconceito dentro e fora das prisões.

Mas não são os presos que vivem uma sexualidade limitada. Que o digam os portadores de deficiência física e mental. Para a maioria das pessoas, os deficientes são seres assexuados.  O problema se agrava quando o deficiente é a mulher. Há uma rejeição por parte das outras pessoas e, principalmente, da própria portadora porque o corpo é visto como uma expressão de negação.

Na sociedade que cultua o belo, o corpo é visto numa idéia de perfeição e o corpo deficiente deve ser excluído. Não é a toa que existem mais relacionamentos de mulheres deficientes com homens também deficientes do que com parceiros não deficientes.

Como explica a psicóloga Lilia Pinto Martins, paraplégica, “a atração, normalmente, não acontece como um dado inicial da relação. É mais comum que a atração surja em conseqüência de um conhecimento prévio, ou de uma amizade, onde os homens já tenham se familiarizado com a deficiência. Diminuindo a angústia que é sentida no início”.

Orgasmo é cerebral - Imagine como não deve ser difícil um deficiente visual paquerar? Impossível? Engano seu. A paquera se dá através  do toque, do cheiro e da voz. “O importante é sentir a pessoa em toda a sua plenitude. Dessa forma ela se mostra por inteiro, não dá para esconder”, afirma Ana Lúcia Leite, 27, portadora de deficiência visual, que diz ser possível sentir até o estado emocional do outro. “Basta apenas estar atento”, ensina.

É preciso entender primeiro que o orgasmo é uma resposta prazerosa do cérebro. Alguns paraplégicos e (todos) os tetraplégicos apresentam orgasmos dissociados da esfera genital. Eles acontecem através das fantasias e são classificados como cognitivos.

“Já atingi o orgasmo através de um beijo. O coração bate mais rápido, a respiração fica ofegante. Deu até para sair de órbita”, explica Kátia Sampaio, 40, quadriplégica. Nesse tipo de orgasmo há uma alteração generalizada da musculatura, dos hormônios, da freqüência cardíaca e pulmonar, além da inconsciência no mesmo tempo das pessoas não portadoras: 20 segundos para o homem e 40 para a mulher. Nos homens, o orgasmo cognitivo pode ser acompanhado ou não de ejaculação, dependendo do nível de lesão da medula.

Numa pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos de Sexologia e Geriatria de Curitiba/ PR, constatou-se que, após a lesão da medula acima da décima  vértebra lombar, 70% dos indivíduos tinham ereção; quando a lesão era abaixo da décima segunda, só 15 a 25% conseguiam ereção capaz de efetuar o coito. É importante um treinamento para ampliação das sensações prazerosas em nível cerebral, aconselha a sexóloga Marilene Vargas, coordenadora do Núcleo.



Fonte: Projeto Experimental de conclusão do curso de Jornalismo, pela Universidade Católica de Pernambuco, 1997, da jornalista Rosely Arantes.
Quadrinho legal 1 daqui
Quadrinho legal 2 daqui

Nenhum comentário:

Postar um comentário