Uma amiga blogueira, a Mari do viciadosemcolo, pediu-me para ler seu último post. Na verdade, sempre que postamos informamos uma à outra para saber a opinião sobre o que escrevemos. Apesar de termos conseguido tecer uma amizade pura e verdadeira, onde falamos para a outra o que realmente pensamos, sem “papas na língua”, somos muito diferentes. Nossas origens são completamente antagônicas, idem para nossa caminhada... enfim, em um bocado de coisas. Mas a Mari tem uma coisa que eu admiro bastante (aliás, ela tem um bocado de coisa que eu admiro), ela sempre procura e consegue (!) encontrar o ponto de união, ela sempre chega no ponto de convergência das coisas e com as pessoas. E isso é raro, como também é raro sua competência em análises. É lógico que não concordo com tudo o que ela fala, até porque ela fala muito e, ás vezes me deixa tonta. Fala tanto quanto eu, quem me conhece sabe... eu fico, muitas pensando como é que conseguimos nos entender, porque nós não paramos a boca!!! Rsrsrsrsrs Mas ela fala mais do que eu...
Bem, a Mari, postou um post (redundante, né? Hãããããã) que fala sobre o uso do discurso politicamente correto. Para ela isso pode, entre outras coisas que discordo, ser uma perda de tempo. Repito: discordo. Defendo e uso, como já perceberam, de grafias e expressões “politicamente corretas”. Na verdade, era apenas para eu ler e tecer um comentário, especialmente para ser um contraponto ao olhar dela e das demais seguidoras (gente, Mari é cheia de seguidoras, até de fora do Brasil. Imaginem só que luxo!!! rsrsrss). E justamente por isso, eu não poderia escrever qualquer coisa, senti que precisava estar mais embasada. E fui à cata de mais informações. E nesse processo, percebi que não agüentaria e teria que escrever mais que um comentário. Então, peço licença a ela para escrever um post que compartilho com vocês agora.
Gostaria de dizer que esse texto está baseado não apenas nas minhas impressões, inclusive como pessoa com certa caminhada nos movimentos sociais, especialmente na militância em direitos humanos. Esse post terá também os olhares de alguns autores que andei pesquisando, após o convite de contribuir com o viciadosemcolo.
Segundo Mari, no post intitulado “patrulhamento x infância sem racismo”, a preocupação com o termo “politicamente correto” interfere no debate, ao ponto de desfocar da discussão, e caminha até a (possibilidade de) ausência do debate provocada pelo medo das pessoas de se exporem ao utilizarem termos equivocados. Penso que é válida essa análise. Mas eu prefiro olhar por outro lado.
Segundo especialistas da análise do discurso (AD) a abordagem vai além do viés lingüístico, chegando, obviamente e onde queremos focar neste texto, na relevância política. Este último nos solicita refletir sobre a relação entre o som e o(s) sentido(s) das expressões. Segundo dois teóricos, POSSENTI e BARONAS (2006), este é um problema antigo e insolúvel e que apresenta aspectos cruciais, mas que considero importantes, tais:
a) que a significação depende dos discursos em que as palavras e enunciados ocorrem; b) que são certas palavras que fazem, em boa medida, com que textos sejam considerados racistas, machistas etc; c) que a relação entre som e sentido (só) é explicável historicamente; d) que há alguma relação entre o sujeito do discurso e o discurso, mas, no fim das contas, o sentido independe (das intenções) dos sujeitos que produzem os enunciados. (POSSENTI e BARONAS, 2006)
Segundo esses mesmos autores, o cenário semântico, ou seja, do discurso, tornou-se um espaço de luta de classes, uma vez que o signo (a palavra) não reflete a realidade, mas desvia a atenção desta.
Mais adiante, os autores concluem que:
Os movimentos, em seu comportamento politicamente correto tem méritos políticos óbvios. Mas, em relação à linguagem, comete alguns equívocos relativamente banais. Por exemplo: a) considera que a troca de palavras marcadas por palavras não marcadas ideologicamente pode produzir a diminuição dos preconceitos. Trata-se de uma tese simplista, já que é mais provavelmente a existência dos preconceitos que produz aqueles efeitos de sentido, embora não se possa desprezar o fato de que o discurso pode servir para realimentar as condições sociais que dão suporte às ideologias e aos próprios discursos. A hipótese das palavras "puras" é certamente ingênua. (idem) grifo nosso.
Reconheço e defendo que não podemos negar “a natureza dinâmica da linguagem, com sua permanente modificação de formas e sentidos”, defendida pelo colunista Jânio de Freitas, mas também não podemos continuar a crer que as palavras são inocentes e esvaziadas de sentido. Esse recheio (pode) sim carrega(r) um contexto preconceituoso. E nesse sentido, as palavras e os tons (!) são encarados de forma muito séria pelos movimentos sociais (instâncias representativas das minorias) porque a fala, o discurso, reflete o sentimento, o que está por traz, o que realmente pensamos e que, muitas vezes não nos damos conta. Perfeitamente humano, racional e, portanto, natural.
E para que o preconceito, seja ele qual for e em que nível for, seja finalmente findado (redundância provocativa e consciente!), se é que é possível, e eu quero crer que sim, é preciso encarar essa realidade de frente. E uma forma de encarar e partir para a ação é mudando nosso discurso. E pra isso precisamos mesmo dessa “reprogramação”. Afinal, não existe discurso (coerente) sem prática e não há prática sem o respaldo do discurso. Imaginem um governo que fala, fala e fala em igualdade e respeito às mulheres e não cria uma instância para que essa discussão entre na sua agenda política? E passe da agenda para a ação? Isso é fácil? Todos sabemos que não. Isso se faz apenas com uma assinatura do governador? Também sabemos que não. Mas os primeiros passos precisam ser dados. Ou você acha que todos os direitos trabalhistas foram conseguidos de uma só vez? Não, foram anos e anos de lutas, reinvidicações e mortes... custou muito caro ao trabalhador e trabalhadora cada direito adquirido até hoje.
Não dá mais pra esconder que o Brasil é um país racista, machista, homofóbico e que ele se expressa também na nossa fala. Afinal, por que não chamamos @ cidadão de negr@? Por medo de ofender, né? Porque virou “ofensa” ser negr@. Somos obrigados, como faz a Mari, a esperar que a pessoa se autodenomine, veja só se pode? Num país onde tem um estado com uma capital com maior número de pessoas negras, após a África!
É terrível isso, mas é a mais pura verdade. E essa verdade ainda mata muita gente. Qualquer pesquisa nos mostra que estou certa, infelizmente: quem morre, no país da “liberdade racial” são os jovens, negros, que moram nas periferias. Do total de mulheres violentadas e mortas, a maioria é negra.
E nós nos ofendemos/incomodamos por pessoas usarem termos politicamente corretos? Ou quando alguém vai mais além e nos chama a atenção por termos externado nosso preconceito, por meio da fala?
Na verdade isso reflete uma outra face dessa guerra, que é a face da não aceitação dessa realidade, do nosso desejo de fechar os olhos e negar o que vemos. Em outras palavras do “racismo à brasileira”. Que é aquele racismo encoberto, maquiado. Segundo pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo, em 2004, 87% dos brasileiros reconheciam o racismo no país, mas apenas 4% se reconhecia como racista. Alguém pode me explicar como se explica isso??? Eu aprendi que a matemática era uma ciência exata, exatíssima!!!!! E essa conta não tá batendo... como um país pode ser considerado racista se apenas a ínfima minoria da sua população se reconhece racista?
O problema é que talvez quem se incomoda com a exigência do movimento sobre o uso do politicamente correto nunca tenha passado por nenhum preconceito, sequer algum constrangimento. Muito ao contrário, talvez tenha até recebido privilégios pela cor da sua pele e a textura do seu cabelo. Ui! Peguei pesado!! Não quis ofender. Mas esse tema mexe.
Agora é claro que há os excessos, afinal lidamos com seres humanos, e não somos nada fácil de lidar. Tem os radicalismos e as extravagâncias. E é justamente por tudo isso que precisamos ter bom senso. Até para não perdermos a chance de avançar.
É lógico que não podemos nos dar ao luxo de deixar toda a nossa educação formal e não formal (e católica!) de lado. Até porque a construção do saber sempre teve um lado, nós é que podíamos não estar atentos para... e, obviamente que carregamos, conscientes ou não, um grande ranço preconceituoso. Quem aqui nunca falou algo preconceituoso, machista ou racista? Eu já me vi em cada situação... terrível!! Diversas vezes já quis que o chão se abrisse embaixo de mim e que eu sumisse, tamanha vergonha por alguma bobagem dita, sem a menor intenção. Mas disse. E é nesse momento que percebo o quanto sou racista, machista e preconceituosa. E acabo me perguntando: mas por que diacho eu me referi àquela pessoa como sendo “uma negra linda”, “um negro gostoso”? Por que tive que enfatizar a cor da pele??? A cor da pele muda alguma coisa? A beleza está determinada por ela? Mas enfim, deparo-me constantemente com esses deslizes, e fico me policiando mesmo. Mas nem por isso, deixo de falar sobre o tema, inclusive em público. Porque , concordando com os movimentos, esse tema precisa vir à tona. Só tomando consciência dele e encarando-o conseguiremos avançar para o seu fim. E acho que esse debate é muito rico e que aprendemos muito com ele.
Tem um vídeo que ilustra um pouco o que tô tentando dizer, da minha validação por esse movimento quanto ao cuidado com a fala e da reafirmação de expressões que não carreguem qualquer traço preconceituoso. Trata-se da entrevista da Dilma Roussef, presidenta eleita, concedida à Ana Maria Braga, onde ela explica sobre a escolha de ser chamada de “presidenta”. Vale à pena conferir.
Como dia a socióloga baiana Vilma Reis, “falar de racismo não necessariamente é um debate cordial. E nem tem que ser!”
(aos 7min e 38seg)
“... é uma obrigação da primeira presidenta reforçar o signo feminino. Eu estou aqui porque uma porção de mulheres saíram de suas casa e foram trabalhar e estudar... E esse conjunto de mulheres apareceu e começou, cada vez mais, a construir o Brasil de forma muito quietinha, muito anônima, mas cada vez mais passaram a construir o Brasil de forma muito mais clara, muito mais explícita. Então eu devo isso a todas as mulheres brasileiras: ser presidentA”. Dilma Roussef
Referências
A linguagem politicamente correta no Brasil: uma língua de madeira?Sírio Possenti
Roberto Leiser Baronas
O brasileiro, o racismo silencioso e a emancipação do afro-descendente
Ricardo Franklin Ferreira
Diálogos sobre o racismo
José Antonio Moroni
Imagem não existe racismo no Brasil daqui
Imagem palavras caladas daqui
oh, amiga, você é muito gentil ao me descrever, obrigada, nem sei se mereço tantas deferências!
ResponderExcluirmaaaassss... muita hora nessa calma:
0. depois de ler tudo, penso que você não leu meus posts o_O
1. eu não disse que acho uma perda de tempo, muito pelo contrário, busquei ter muito cuidado com o que escrevia inclusive escrevi abrindo o terceiro ou quarto post da série sobre racismo: "foi muito estimulante saber que quase não dei bola fora nas atitudes, nas histórias e nos discursos."... falo muito mais: vale à pena ir lá reler tudo. falei de SENSAÇÃO de perda de tempo no caso do conselho "sensação constante de perda de tempo e de energia: tanta coisa para ser feita e se restringiam a discutir eufemismos." e não em perda de tempo no geral.
2. eu não critiquei o politicamente correto, inclusive reconheci que as palavras não são inocentes e que revelam o nosso preconceito escondido.
3. critiquei SIM o patrulhamento excessivo. a exigência que todos saibam a etimologia da palavra antes de usá-la. a sensação de ser racista aquele que escolhe errado.
acho que as informações do movimento precisam sair dos seminários e alcançar a mídia, como o exemplo que dei sobre o guia para a mídia.
cada uma destas palavras precisa ser explicada é precisamos de alternativas, pois hoje quem não é negro nem branco, está sem opção. porque afrodescendente eu também sou, apesar de parecer branca e ter o cabelo considerado bom nem sei por quem... e é alienado dizer que é morena, né?
4. a recente fala desastrosa do deputado (aquele racista homofóbico) nos serve: para esquentar o debate e colocar na pauta à força estas questões.
5. comparando seu texto com os meus encontro pontos de convergências, aliás mais pontos de convergência do que de divergência. a única coisa que divergimos é que eu acho exagerado o politicamente correto - quando estou gorda quero que me chame de gorda e não de "pessoa com sobrepeso" (quem se acha 'do movimento') ou "fortinha" (quem tem medo de ofender).
eu disse lá que não sou de nenhuma minoria, mas errei: nasci num lugar onde os nativos sofrem muito proconceito - qualquer trabalhador marrom-preto é chamado de baiano quando faz algo errado (seja no trânsito, ou no exercício do seu traalho). mas podem me chamar de baiana! não preciso do eufesmimo "nativa da bahia"... rsrsrsrs
a prova sobre o prejuíjo que o patrulhamento causa é a quantidade pequenas de blogs que participaram da blogagem coletiva (já vi blogagem com mais de 50 envolvidos), de comentários no meu blog e nos outros e, mais importante, no tom dos comentários que "fugiam" das palavras e não caiam pra dentro do debate.
analise e verá! pelo que conheço das mães que "frequentam" o meu blog, sei que é este o motivo!
No mais quero dizer que a convivência com vc me ensina muito sobre o mundo, sobre as pessoas e sobre mim mesma. Não tenho medo de mudar de ideia mil vezes e os textos sobre este assunto são sínteses das nossas discussões em que meu ponto de vista inicial NUNCA prevaleceu.
Não deixe de acreditar!
Beijoca
Olá Fabrícia, volto aqui para convidá-la a participar de uma nova blogagem sobre o tema direitos da infância... entender como as mães, principalmente da classe média entendem e sabem sobre isso... e se o ECA é aplicado dentro de casa no dia-a-dia... olha o link... se tiver interesse: http://blogdodesabafodemae.blogspot.com/search/label/Direitos%20da%20Inf%C3%A2ncia
ResponderExcluirbeijos e obrigada, Sueli, Desabafo de Mãe